Sempre o mistério
Rosane PavanAs imagens do fotógrafo Boris Kossoy vivem do mistério. Enquanto descrevem o real, de forma até brutalmente clara, elas ao mesmo tempo apontam para o que a realidade esconde. Por exemplo, Kossoy vê a calçada estática à primeira vista, porém um segundo olhar do observador notará a lata de lixo em estranho equilíbrio, a revelar que a rua descrita pelo fotógrafo é, em verdade, não usual, mas inquietante. Das imagens do artista, como das 36 apresentadas na exposição retrospectiva Busca-me, sempre emergem esta ânsia e este jogo.
E não somente suas fotografias de intenso clima parecem lutar entre tais pontos, o real e o irreal, como a própria personalidade fotográfica do artista convive com dois fazeres aparentemente inconciliáveis. Artista pioneiro a inserir a surrealidade nas imagens, fisicamente incorporando a elas objetos e bonecos, como em Viagem pelo Fantástico, de 1971, Boris Kossoy reserva–se, ainda mais, o prazer de descrevê-las e interpretá-las. Ele também é o grande historiador da fotografia, atualmente o curador da extensiva exposição Um Olhar Sobre o Brasil, que depois de temporada paulistana permanece no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro até 7 de abril.
Desde a infância, filho único de um segundo casamento de seus pais, e até nestes dias, em muitas de suas viagens pelo mundo, tendo obtido do Ministério da Cultura e da Comunicação da França a condecoração de Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres, Kossoy, de 71 anos, está atrás do extraordinário que há nos fatos, como fazem o artista e o historiador. As fotografias, ele diz, inesperadamente lhe acontecem. Passeia por Viena e diante dele, no cartaz de rua, está a figura mefistofélica que no ano anterior percebera insinuar-se na televisão de seu quarto no Rio de Janeiro. Busca-me, mas eu já terei me procurado antes, é como se suas fotos desafiassem dizer.
PAVAN, Rosane. Sempre o mistério. São Paulo, Carta Capital, 13.03.13