Quando o professor se alia ao fotógrafo

Quando o professor se alia ao fotógrafo

Leila Kiyomura

Por algum tempo, o fotógrafo decidiu seguir um caminho com novos ângulos. Pesquisou muito, fotografou menos. Como professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, incentivou e formou jovens fotógrafos. Pesquisou, escreveu livros e é considerado um dos primeiros teóricos da imagem no Brasil. Em 2008, o professor decidiu dar espaço ao fotógrafo.

E, desde a exposição individual na Pinacoteca do Estado, quando apresentou um caleidoscópio com fotos desde o final da década de 1950, o voyeur decidiu se perder em busca de novas imagens e se encontrar em várias exposições. Desde o início de março, Boris Kossoy apresenta uma série com 40 imagens. Em “Busca-me” o professor se alia ao fotógrafo para contar a sua própria história. A mostra está na Galeria Berenice Arvani (rua Oscar Freire, 540, em São Paulo) e, como bem avisa o curador Diógenes Moura, o visitante irá ver fotografias para ir além. “Cada imagem não será apenas uma imagem. Nem em seus signos nem em suas representações. Cada imagem contém a vida inteira do fotógrafo como instrução de uso. Uma cápsula do tempo.”

“Busca-me.” O título sugere o apelo de alguém. Ou de algo perdido entre os sonhos e a realidade, a imaginação e o tempo. Um enredo solitário, melancólico.  “Em ‘Busca-me’, o voyeur segue sua caminhada à procura de personagens, lugares e situações pretensamente conhecidas”, explica Kossoy. “Vividas? Um roteiro imaginado, entre muitos outros, de situações, prazeres, amores, perfumes e dores que afetaram para sempre seus sentidos. Rememorações talvez? De qualquer modo, impressões/imagens fugazes que, vez ou outra, flutuam em nossas mentes, sem formas definidas, no entanto, curiosamente familiares.”

Sem Título. Praga, República Tcheca, 2012

Sem Título. Praga, República Tcheca, 2012

Uma moça de luvas brancas, vestido longo, sentada em uma pedra entre as montanhas de Serra Negra. Traz na mão esquerda uma gaiola vazia. A foto data de 1971. A imagem se contrapõe a uma foto de 2011, mostrando a luz entre as montanhas de Florianópolis, só que, nessa cena, não há ninguém. O vazio é a ponte entre uma cena e outra. Uma ponte onde o tempo vai atravessando devagar. Há fotos coloridas e em preto-e-branco. A sequência apresenta o fotógrafo em Viena, Madri, Washington, Nova York e São Paulo. Cidades que o flaneur flagra em momentos de absoluta solidão.

“’Busca-me’ é um território de ambiguidades e incertezas que amedrontam e seduzem a provocar o espectador-voyeur das imagens; a convidá-lo para uma imersão conjunta numa viagem pelo fantástico”, diz Kossoy. “Uma viagem de resgate e reencontro, sofrida e amorosa, em busca de memórias nebulosas, embaçadas, entrelaçadas, enfeitiçadas de outros tempos, perdidas na escuridão das mentes, formatadas a cada novo ciclo do trajeto de cada um.”

Difícil caminhar no mundo real.  Ao espectador, cabe se deixar levar pelo imaginário do fotógrafo. “Filmes. Sexo. Mistério. Blade Runner. Aquele que parece um outro mundo, e não o nosso, e que está sendo inteiramente vendido”, observa o curador. “O olhar triste do manequim em todos os estratos sociais, a matéria plastificada imaterial. Quem olha para quem?”

É o olhar que se perde no tempo da cidade e da gente que a mostra propõe. “Em ‘Busca-me’ vemos personagens desse teatro imaginário onde coabitam seres dos dois mundos e imaginamos os espectadores interagindo numa relação secreta. Janelas de onde olhei, janelas para onde olhei. Intimidades devassadas”, diz o fotógrafo, enquanto o professor ensina a fotografia com suas muitas faces, ângulos e infinitas histórias.

“Busca-me” reúne 40 fotografias de Boris Kossoy, sob a curadoria de Diógenes Moura.

Kiyomura, Leila. Quando o professor se alia ao fotógrafo. São Paulo, Jornal da USP, 03/04/13.

 



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