Viagem pelo fantástico
KosmosNeste primeiro livro, explora-se a pretensa vinculação que a fotografia tem com o real, porém a partir do imaginário fantástico, numa atmosfera de mistério que já caracterizava nossos desenhos dos anos sessenta. Trata-se de um livro de ‘contos’, sem palavras, à exceção dos títulos. Um conto por meio de imagens formando breves seqüências de encadeamentos reflexivos: lembranças, sensações, sonhos, porém nunca apresentados segundo uma linearidade que caracteriza o ensaio fotográfico ou a foto-documentação. A diagramação que envolve as imagens estabelece um espaço que vai além das possibilidades burocráticas recorrentes e repetitivas que geralmente constatamos nos livros de fotografia. Remete ao cinema e, por vezes, aos comics na sua forma, embora acabe se moldando fortemente à mensagem comunicada pelas imagens na sua individualidade e nos conjuntos que formam as seqüências. São dez no total.
Nesse clima se desenvolvem as histórias. Nesse clima buscam-se conexões com o fato cotidiano através de sua projeção fragmentária mágica, existencial, política, estética sendo a fotografia o instrumento e veículo de materialização das imagens mentais e do imaginado: é o elo de ligação com o real em sua concretude. A imagem técnica o convalida. Para tanto os cenários eram ambientados, produzidos e as personagens representavam tal como no palco de um teatro, ou numa encenação cinematográfica. Um enredo que vai além do visível, do comprovado – expectativa secular da fotografia. Os dez contos que compõem a obra são assim construídos. E, em “leituras” posteriores os receptores começavam a perceber conexões internas entre as histórias. Essa era a idéia.
Sobre esses aspectos Pietro Maria Bardi, que assina o prefácio, assim observa: [O autor] Não se vale da escrita, ou de um quanto – basta de palavras para que o leitor entenda e não confunda uma sinalização esquelética de caminhos. É um estado de espírito particular em busca de inquietações, de porções de fantástico, de realidades mágicas, a não confundir com aquelas fugas no abstrato, um tempo tão em moda. Tons de realidade, de materialismo que a natureza e o homem combinam para o poeta colher à sua vontade e talento. Viagem fantástica de personagens humanos e fabricados à procura da paz que não encontram, submetidos a circunstâncias incongruentes e excepcionais. Casos do externo proibido a todos pela concordância com determinada lei do bom costume, casos dos esconderijos em que o homem maltrata a rotina praxe de todos e dele mesmo, quando opera no conjunto para afirmar na solidão, verdadeiramente, liberdades para ele não esquisitas: íntimas, até passagens momentâneas ou permanentes de esquizofrenia.
Viagem pelo fantástico constitui uma obra autoral pioneira em termos de Brasil e América Latina. Contudo, suas criações são simbólicas, iam na contramão do tradicional emprego convencional da fotografia enquanto instrumento de registro destinado a aplicações imediatas, ilustrativas ao mesmo tempo em que punham em cheque a “fotografia artística” dos fotos clubes. É obvio que desde o início buscamos na fotografia abordagens mais complexas enquanto expressão cultural, estética e ideológica, uma marca que procuramos manter ao longo de nossa trajetória.
Além do natural impacto que as imagens do fantástico causaram à época, houve também nessa ‘viagem’ um exercício de linguagem com a expressão fotográfica. Tratava-se, afinal, de uma mudança de código. Um jogo ambíguo com a própria idéia de representação fotográfica tal como foi sempre compreendida no interior de um universo de aplicações utilitárias.